quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Janela


Ela chega em casa, come, dorme, levanta e sai.
A mãe liga, o pai chama e avó avisa que o almoço está pronto.
-O almoço está pronto.
-Fica com Deus mãe.
-Tchau pai.
É segunda, terça, quarta, quinta e sexta.
No sábado ela chega dorme, dorme e dorme
Na outro dia ela chega e procura. 
Perdida entre os cômodos da casa, andando pelo corredor que agora é infinito, abrindo e fechando as sete portas dos seus sete cômodos, suas sete moradas, ela não dorme, não levanta e não consegue sair. 
Na busca incessante de algo que não sabe o que é, o peito fica apertado mas ela não sabe porquê, no tédio, na ansiedade, no corpo mole, nas mãos bobas, nos olhos ardentes e no paladar desgostoso ela cai.
Olha pra cima e as paredes vão chegando cada vez mais perto, o colchão mais duro, a porta não abre e o chão se torna mais gelado.
Ela não consegue enxergar as cores do azulejo da cozinha, guarda a manteiga no armário e o garfo na geladeira.
O latido de sua cadela se tornou trilha sonora para as tentativas incansáveis de dormir. O sono é constante e a voz do apresentador de TV leva a depressão, daquele dia perdido entre os cômodos e o labirinto daquela casa, mal iluminada branca e sem cheiro.
Ela anda pelo banheiro sente o frio da água, defeca, sente nojo, limpa, olha para as fotos na parede do corredor e a frente se vê no espelho, do espelho do corredor algo a assombra, algo a  persegue . 
No espelho as vezes tem uma sombra, a silhueta de uma mulher em um dia de espera. Um dia de ressaca, um dia de cansaço, um dia de fome, um dia vazio, um dia frio, um dia chato, um dia lento, um dia sem dia, um dia que ainda vai acabar.
Espera algo que não sabe o que é, engole a seco, tenta tirar o nó apertado da garganta e chora.
No sofá lembra dos amores, das noites quentes, sente um beijo, beija, assiste e espera.
Ela poderia ter feito faxina, arrumado o guarda-roupa, lavado a louça, feito as unhas mas ela prefere esperar.
Não atende a mãe não fala com o pai e não almoça, ela espera.
Na espera e foi na Praça do Cemitério em dias de velório, que ela conheceu a plenitude do silêncio. Ela via vida e morte todos os dias, no mesmo dia e na mesma hora. Ela respira o silêncio da morte, o sol se vai, o sino do cemitério toca, o cheiro de vela aparece e da garagem de casa ela vê as almas passarem para o outro lado da rua. Ela é silêncio. E no silêncio? O que aconteceria? 
foi então que ela preferiu abrir as janelas, ela abriu todas as janelas para que todos os insetos entrassem..


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